terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Já passa da hora, tá lindo lá fora.

"E nada como o tempo após um contratempo pro meu coração", já cantou o mestre Chico.

Gosto quando o coração renasce. Se reergue assim: meio bambo, desajeitado, administrando as dosagens de qualquer suposto remédio para não tombar. Evitando movimentos bruscos, porque ainda dolorido. Em doses homeopáticas levanta da cama e arrisca as primeiras voltas lá fora. Ora receoso, ora confortável. Sente os primeiros golpes de ar fresco, cuidadoso para não sucumbir numa pneumonia. E segue. Aumentando as passadas e fortalecendo os pés no chão que, mesmo irregular, mostra-se digno da caminhada. Segue, cambaleando e zonzo, pra cada passo comemorado como a maior vitória. Um coração doente aprende com maestria a relativizar o tempo. Poucos dias podem significar um mês, o turbilhão de um ano pode fazer-se presente em uma semana.

Seu nome não doeu. Não senti no peito o coração comprimindo pra se esconder da dor ou expandindo numa tentativa de fuga pela garganta. Por conta própria e sem alarde, acho que ele entrou em processo de recuperação. Sem ordem médica, o danado decidiu que quer dar suas voltas por aí. E faz questão de que seja sozinho. Abdica da companhia dos medos e traumas, que permaneceram mesmo após a sua partida, e prefere trancá-los no fundo do armário, atrás das roupas de inverno ou numa caixa de sapatos empoeirada debaixo da cama. E avisa que vai sem cachecol, que é pra desatar os nós que ficaram estagnados na garganta. Outro dia o vi, tímido e desengonçado, a arriscar seus primeiros batimentos acelerados com um sorriso por aí. Corou ao perceber que foi flagrado, mas deixou estampado um riso frouxo no canto da boca. E assim, corando por causa de outros sorrisos, a maçã do rosto vai perdendo a palidez e o ar doentio para dar lugar a um rosa claro e vivo. O danado já canta sem ter motivo, refazendo-se a cada nota de uma canção. Prefere as alegres, mas a voz treme cada dia menos quando arrisca uma triste, cheia de recordação em suas estrofes.
Às vezes precisa repousar. Dolorido e cansado, pede arrego. Mas já não acha que se deitar é sinônimo de fraqueza. Aprendeu a respeitar a dor e que a trégua é parte indispensável do processo pra vê-la ir embora e levantar mais forte.

E já que o texto começou com um trecho do Chico Buarque, nada mais justo do que terminá-lo da mesma maneira. Dessa vez com o hino que embala os primeiros passos trôpegos desse coração - fraturado, desajeitado e cheio de esperança de renascer: "agora já passa da hora, tá lindo lá fora. Larga a minha mão, solta as unhas do meu coração, que ele está apressado e desanda a bater desvairado quando entra o verão".

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