quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Varanda

Tocou. Entre as idas e vindas da vida, desde quando ainda não havia foto na tela do celular, poucas coisas são tão certas quanto esse telefonema. Sempre em datas importantes, não importando na verdade a data; poderia ser uma terça-feira comum para o calendário mundial, mas o dia se faz importante quando essa voz que é só sua percorre centenas de quilômetros pra chegar certeira por aqui. 
Rotinas foram alteradas, compromissos foram inventados quase que de maneira compulsiva e sufocante, nossos gostos, sonhos e nós mesmos. O tempo jogou pesado, fez inúmeras cobranças, inventou metas, sufocou prazeres, mas não o suficiente. O que não mudou ao longo de todos esses anos foi a nossa habilidade de transformar qualquer cenário do mundo em nossa varanda, nossa arejada varanda, onde tem rede e vista para o mar. Onde tem confissões e silêncio, tem seu sotaque, o meu preferido no mundo todo. Tem as músicas que dividimos, os apelidos que você inventou pra mim, a beleza de Recife, as angústias de São Paulo, os textos que compartilhamos, os livros que ainda não lemos, mas prometemos com dedicatórias um ao outro, e os sonhos que não realizamos. Tem eu e você, que sempre nos encontramos lá quando, como escreveu João Guimarães Rosa, "o correr da vida embrulha tudo".
Nossa varanda é sustentada pelos pilares feitos de todos os mistérios que nós gostamos de conversar, mas que somos pequenos e afoitos demais pra entender: é sobre graça, sobre vida, sobre esperança, sobre fé, sobre amor. Nossa varanda é enfeitada pelas nossas angústias e pelo prazer de haver com quem compartilhar. Nela cabem os muitos quilômetros de distância que separam o meu abraço do seu, mas que exatamente por isso, tornam nossa varanda o lugar ao qual eu mais pertenço no mundo. Lá é tempo de andar descalço e sentir o chão, é lugar pra debruçar no parapeito esculpido pelos nossos medos, apoiando um no outro pra não cair. A varanda é tempo de encontro, do nosso encontro: um com o outro e com o Amor que nos trouxe até aqui. 

"Preciso ir", "eu também, estão me chamando para o jantar".
Nunca sabemos quando será a próxima vez, mas sempre sabemos onde será: na nossa varanda, onde nunca se exigiu endereço, hora marcada ou presença física. Apenas nós dois e a vontade de estar ali.