domingo, 24 de julho de 2011

Irene.

A última vez em que eu escrevi foi no dia em que você foi embora. Num caderninho só meu, num canto do quarto. Um tempo considerável para quem tem a necessidade de escrever. Esses dias eu fui à igreja que você tanto amava. Sobre a mesa tinha um arranjo e foi impossível não lembrar você ali, em pé, todo domingo à tarde, arrumando aquela mesa. Porque essa era uma das suas formas de fazer Deus sorrir: deixando a casa Dele linda, como só você sabia fazer. Recordei eu, você e a Carol, sentadas no corredor sobre aquele tapete vermelho, arrumando a lateral dos bancos para algum casamento que você, solidária como sempre, se propôs a ajudar. Eu, pra variar, sem paciência e habilidade pra trabalhos manuais e você, paciente, manuseando cada material como a flor mais delicada. E na mesma rua da igreja, a sua casa. Ah, como me faz falta a casa da vó. Meu refúgio de todas as tardes depois da escola. Na semana em que você foi para o hospital e dali não voltou mais, sua casa perdeu todo o sentido. Foi um entra e sai danado de visitas, mas era tão vazia. Você era a vida e a alegria daquele lugar. E tinham as tardes em que eu sentava no banquinho da cozinha, aquele que você mesma fez e pintou, enquanto nós ouvíamos juntas a Nova Brasil FM e você preparava a melhor cocada do mundo todo. De vez em quando a gente ouvia o Caetano cantar: "quero ver Irene rir, quero ver Irene dar sua risada". Ah, D. Irene. Como eu partilho desse sentimento. Como eu queria ver você dar a sua risada mais uma vez. Aquela que iluminava qualquer ambiente e me fazia rir também. É exatamente pela memória dessa sua risada que eu estou aqui hoje escrevendo sobre você. Não mais no caderninho de capa preta empoeirada numa prateleira do meu quarto. Mas pra todo mundo que chegar aqui, porque você foi incrível demais pra ficar só nisso. É pela sua memória e por sua vida impecável e exemplar que eu prometo viver uma vida linda. Prometo me esforçar para ser metade da mulher incrível que você foi, porque se eu chegar nisso, serei admirável. Prometo nunca aceitar dinheiro sujo, a admirar os passarinhos na janela, a dar bom dia ao porteiro. Prometo me esforçar em ser paciente, a falar mais palavras de carinho do que de mágoa. Prometo fazer do mundo um lugar mais bonito com o bom gosto que você tinha. Prometo não desistir quando as coisas não me forem favoráveis. Prometo procurar ver Deus nas coisas simples, como você fazia. Prometo viver uma vida digna de carregar no corpo o mesmo sangue que o seu. Uma vida de paz, que era o significado do seu nome e a maior expressão do que você transmitiu todos os dias em que esteve aqui. Prometo viver com a certeza que você tinha, que no dia em que seu corpo já cansado parasse, você iria diretamente para os braços daquele que foi seu melhor amigo em todos os momentos, para uma vida sem dor e sofrimento que você merecia conhecer. E essa fé não me faz acreditar que eu de fato esteja escrevendo algo que você possa ler. Mas eu me dirijo a você, porque assim é como se sua memória fosse mais próxima e mais fresca em minha mente. É como se fosse uma das nossas tardes de conversas naquela cozinha ou no sofá da sala, que a cada semana estava numa posição diferente (aliás, aqui a gente sempre brinca que você deve estar enloquecendo todo mundo no céu trocando os móveis de lugar). Depois de um ano e meio, eu voltei a escrever e eu precisava contar ao mundo sobre a mulher mais admirável que eu conheci. Que a cada vitória, incerteza e história engraçada, me faz desejar tê-la ali na cozinha me esperando chegar da escola. Ter seu colo e sua cocada. E assim como nos versos de Caetano que juntas ouvíamos, a sua risada.

3 comentários:

Denise disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Lygia Correia disse...

Lindo demais Ana, que Deus te abençoe muito e que benção é termos o melhor exemplo de fé através das pessoas que amamos e que foram tão próximas.

Abraços.

Ly

Rosi e Ita disse...

Deus te abençoe, querida. Lindo...
Esse conforto é sobrenatural, não é mesmo? Deus é tremendo e digno de toda honra! Grandioso Deus que acolhe os seus...
Beijos,
Rosi